#77

A Estátua e Eu

Nos meus tempos mortos, ensino uma estátua a andar. Dada
a sua imobilidade exageradamente prolongada, não é nada fácil.
Nem para ela. Nem para mim. Dou-me conta de que uma grande
distância nos separa. Não sou tão imbecil que não me dê conta
disso.
Mas não se pode ter todas as cartas boas no nosso jogo. Ou então,
adiante.
O que interessa é que o primeiro passo seja bom. Para ela, tudo
reside nesse primeiro passo. Bem sei. Sei disso muito bem. Daí
a minha angústia. Por conseguinte, aplico-me. Aplico-me como
jamais o fiz.
Coloco-me junto dela de modo rigorosamente paralelo: o pé,
como ela, levantado e rígido tal estaca enterrada na terra.
Porém nunca é exactamente igual. Ou o pé, ou a curva, ou o porte,
ou o estilo, há sempre qualquer coisa que falha e o tão esperado
arranque não pode ter lugar.
É por isso que cheguei a um estado em que eu próprio já quase
não consigo andar, tomado de uma rigidez, todavia toda feita
de impulso, e o meu corpo fascinado faz-me medo e já não me
leva a parte nenhuma.


Antologia | Aparições (1946)
Henri Michaux


 

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